quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

WALCYR CARRASCO, UM AUTOR KAMIKAZE


Hoje, finalmente vai ao ar o último capítulo de Amor à Vida, a novela das 9, que foi tudo menos boa, mesmo assim não se pode negar que um mérito a novela teve: Félix e todas as situações criadas em seu entorno.

Mas eu não quero falar especificamente de Amor à Vida neste post, mas sobre as obras de Walcyr Carrasco produzidas para a televisão e que é uma montanha-russa em termos de qualidade, ora tramas deliciosas, ora grandes porcarias, como a infindável história que sai do ar daqui à algumas horas.

Walcyr estreou na rede Globo no ano 2000 com o estrondoso sucesso O Cravo e a Rosa, no horário das 6, após outro grande sucesso na finada emissora de Adolpho Bloch, Xica da Silva, que esteve no ar por mais de um ano na Manchete em 1996. Pois bem, depois desses dois sucessos seguidos, Walcyr em um curto espaço de tempo estreou sua segunda novela Global, A Padroeira, em 2001, uma bomba longa e agonizante, para dois anos depois presentear o telespectador com a saborosa Chocolate com Pimenta de 2003. Mais dois anos e ele volta ao mesmo horário, onde já reina absoluto com outro sucesso avassalador, a romântica e mística Alma Gêmea, em 2005.

Depois de três trabalhos de incontestável sucesso no horário menos nobre da emissora, Walcyr é catapultado para às 19 horas, onde escreve o fiasco Sete Pecados, em 2007, um reconhecido fracasso de público e crítica, mas que não abala sua credibilidade diante da alta cúpula Global. Passam-se dois anos e Walcyr ressurge no mesmo horário cheio de frescor. Em 2009 somos agraciados com a leve, colorida e despretensiosa Caras & Bocas, um bálsamo das 7 após sucessivas novelas ruins. Já em 2011, com o anúncio de outra novela do Carrasco no mesmo horário, a expectativa é grande tendo em vista sua última trama, mas recebemos um banho de água fria com a surreal e patética Morde e Assopra. Apesar de bem ruim, Walcyr consegue mexer na trama e chamar à atenção pra ela, tirando-a do limbo e finalizando-a com uma audiência satisfatória (não a minha, porque pra mim ela foi ruim toda a vida). 

Assim, Walcyr pula uma casa e escreve o remake de Gabriela para o horário das 11 da noite. Mistura seu toque inconfundível ao tempero baiano de Jorge Amado e faz uma novela agradável de se ver, em 2012. Um ano depois ele é coroado com o horário nobre da platinada, a famigerada Amor à Vida, a novela das 21 horas de 2013, que muito prometeu e pouquíssimo, quase nada cumpriu.

A que conclusão eu chego com todo esse blá blá blá? Que seguindo a lógica Carrasquiana, ou ele volta correndo pro final de tarde com suas imbatíveis novelas das 6 ou continua no horário nobre onde fará uma boa segunda novela das 9, pra logo em seguida fazer uma horrenda terceira novela das 9, só isso. Na verdade, esse post foi só uma desculpa pra deixar registrado aqui algumas linhas sobre essa maravilhosa novela e seu último capítulo, ops, não, pera...

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

BREVE HISTÓRIA DE UMA POBRE ALMA


Alma Clara tinha o coração frágil, e naquele dia quente e cansativo como tantos outros, após mais um exaustivo dia de trabalho, encerrou o expediente e saiu atrasada e apressada para não perder o ônibus das 17 horas. Era um trajeto longo até sua casa, onde sempre chegava por volta das 20 horas e começava uma segunda jornada de trabalho, antes de deitar sua carcaça dolorida na cama de solteiro com colchão fino que dividia com a sobrinha de 10 anos, onde sentia todas as ripas de madeira, uma a uma em suas costas magras.

Morava em um barraco de dois cômodos com a avó acamada que mal se levantava da cama, três sobrinhos e um sobrinho-neto de 2 anos, filho da sobrinha mais velha de 16, grávida de 6 meses do segundo filho. 

Alma Clara com quase 40 anos, tinha uma vida miserável. O barraco que dividia com toda aquela gente ficava numa favela às margens de um canal fétido, que ao primeiro sinal de chuva inundava tudo e alagava os dois cômodos em que coabitava, e que com muito esforço tentava manter limpo e organizado. Sempre que chovia era um "Deus nos acuda".

Sua rotina consistia em trabalhar como faxineira em um grande Call-Center no centro da cidade e ao chegar em casa, cuidar da avó e dos sobrinhos. Preparar o banho da velha, trocar as fraldas, providenciar o jantar e verificar se tudo correu na mais perfeita ordem durante o dia. Depois de toda essa maratona, ela conseguia deitar-se o mais cedo à meia-noite, para estar de pé às 5 da manhã. Às vezes dormia com fome, a barriga roncando, mas o cansaço era tanto que acabava esquecendo de se servir das sobras dos sobrinhos, porque ela só comia depois que todos estivessem alimentados. Sempre foi assim, a vida toda resignou-se em ser a última, em aceitar de bom grado os restos oferecidos com aparente generosidade. E sempre foi servil, em casa, no trabalho, na vizinhança. Nunca soube dizer não.

A irmã mais velha fugira com um homem assim que pariu o terceiro filho e nunca mais mandou notícia. A avó a maltratava chamando-a de mosca morta, songamonga e todos os tipos de adjetivos desprezíveis. Não gostava das netas, a primeira era uma vagabunda e a mais nova uma inútil. Ficou extremamente doente antes da filha, mãe de Alma Clara, falecer vítima de um câncer de mama. E ironicamente ficou aos cuidados da neta inútil, que retribuiu com carinho e dedicação toda a falta de afeto.

Alma Clara idolatrava sua mãe. Era uma mulher amorosa, mãe afetuosa, que dentro das limitadas possibilidades fazia o possível pra dar uma vida harmoniosa e feliz às filhas. O único amor que Alma Clara conheceu foi o de sua mãe, que partiu cedo demais. O pai era pastor de uma igreja e morrera num acidente antes de ela nascer, depois dele sua mãe se dedicou as obras na igreja e nunca mais teve outro homem. Nas poucas vezes que sonhava, Alma Clara sonhava com o pai, correndo até ela num campo verdejante e abraçando-a forte e demoradamente ou com ele e sua mãe esperando-a nas portas do céu envoltos entre nuvens brancas e azuis.

Alma Clara tinha uma vida feia, mas por não conhecer outra, achava que estava tudo bem. Terminou o segundo grau e uma vez almejou fazer um curso superior, queria ser professora, mas as circunstâncias de sua realidade a impediam. Uma vez engravidou de um namorado por quem se apaixonou e ficou feliz com a possibilidade de formar uma família e ter uma vida diferente, mas logo que deu a notícia da gravidez o sujeito foi preso por tráfico e pouco tempo depois morto na cadeia. Alma Clara não suportou a notícia e perdeu o bebê, foi quando descobriu que tinha um problema no coração e precisava se cuidar, emoções muito fortes poderia ser fatal. Foi então que teve que aumentar a carga horária de trabalho, pra ganhar um pouco mais e conseguir comprar os remédios do coração.

Depois do filho que perdeu e da morte do companheiro, Alma Clara nunca mais se envolveu com ninguém, perdeu o pouco viço que ainda tinha e se achava incapaz de atrair outros homens, se achava feia. Mas, não era feia, era uma mulher normal. Magra, parda, cabelos e pele um pouco oleosos pela falta de produtos adequados e olhos negros quase sem vida. A falta de vaidade e o sofrimento ignorado, escondiam o que poderia ser uma bela mulher.

Mesmo com uma vida desgraçada, tendo que trabalhar que nem burro de carga, dependurada do alto de um prédio de dez andares pra limpar vidros de janela; carregar nas costas uma avó quase vegetativa, três sobrinhos e um sobrinho neto; aguentar o batidão do funk de letras degradantes, no último volume, em dias que teoricamente seria seu dia de descanso; suportar o mal cheiro da favela, e ainda assim não receber sequer um olhar de gratidão, Alma Clara era uma boa alma, tão boa que chegava ser boba. As colegas no trabalho a chamavam de otária, mas Alma Clara não sabia ser diferente, sua natureza era assim, mansa, generosa, desprendida.

Mas naquele dia ao pegar o ônibus de volta pra casa, Alma Clara teve uma surpresa. O ônibus mudou seu itinerário, fez um desvio de rota e passou por outros caminhos. Caminhos que ela não conhecia, que nunca tinha visto. E naquele caminho diferente, Alma Clara sentiu um leve desespero, achou que tinha pego o ônibus errado. Ficou angustiada pensando que chegaria atrasada em casa, que não conseguiria fazer o jantar na hora, aprontar a avó, deixar a casa em ordem, como se o eixo de seu microscópico e medíocre universo fosse ser totalmente desalinhado por causa de um atraso de uma ou mais horas.

Perguntou ao cobrador se havia pego o ônibus errado, ele a tranquilizou dizendo que o itinerário tinha mudado àquela semana devido à obras na estrada de costume, mas a viagem não atrasaria. Sentou-se mais calma e então começou a observar o novo caminho. E viu que era completamente diferente do que estava acostumada. Era bonito, era muito bonito. O ônibus passava por um bairro nobre, daqueles que Alma Clara só via pelas novelas da televisão, quando parava de vez em quando em frente ao aparelho pra imaginar como seria se aquela vida tão cheia de beleza existisse de verdade.

De repente tudo estava ali diante de seus olhos, próximo, palpável. As ruas limpas, as casas chiques, as árvores que pareciam pinturas. Tudo tão perfeito que parecia miragem, alucinação. Dominada por um encantamento arrebatador, Alma Clara fez sinal e desceu do coletivo. 

Sempre acostumada a brutalidade de passos cansados e apressados, Alma Clara pisou o chão como se flanasse. Respirou fundo, o cheiro da rua era bom. As calçadas tinham canteiros ajardinados. As pessoas caminhavam com passos delicados. Roupas leves. Cabelos sedosos brincando com a brisa. Parques. Shoppings que pareciam palácios. Carros importados. Patins. Gente de corpo escultural malhando em uma academia com paredes de vidro. Prédios. Mansões. Livrarias. Era tudo tão lindo. Dourado, claro, colorido. O céu tão azul. Alma Clara contemplou, suspirou, seus olhos cheios de fascínio. Foi caminhando sem destino, queria apenas desbravar mais e mais toda aquela beleza, àquelas pessoas, aquele mundo tão distante do seu. 

Avistou um café, entrou. No ambiente tocava um jazz. Ela nunca tinha ouvido, mas o som a hipnotizou. Pessoas conversavam com sorrisos brancos e cheios de dentes nos lábios. Conversas ao pé do ouvido. Famílias. Casais apaixonados. Bolinhos, pães, bebidas fumegantes que ela nunca tinha visto, nas mesas. E tinha flores também, cada mesa era decorada com uma gérbera de cor diferente. O aroma do café que exalava no lugar era muito diferente do cheiro que estava acostumada, parecia perfume. Se imaginou passando àquele perfume pra ir trabalhar, seria a mais cheirosa de todas as suas colegas. Esboçou um leve sorriso diante de tal pensamento. 

Um garçom a abordou perguntando se desejava algo. Pediu um copo de água. Com ou sem gás? Alma Clara não entendeu. Queria apenas um copo d'água, da torneira mesmo. O garçom teve pena diante da extrema humildade da moça. Deu-lhe uma garrafa de água mineral sem gás, que ela fez questão de pagar até descobrir que custava mais do que as míseras moedas que tinha na velha bolsa puída. Agradeceu a gentileza do garçom e saiu. Logo em frente ao café tinha uma praça. Sentou-se no banco de mármore italiano e tomou sua água lentamente. Do outro lado da rua, uma mulher elegante passeava com seu poodle branco e tosado à perfeição. Alma Clara ficou deslumbrada, até os bichos ali eram diferentes, pareciam de pelúcia. O cachorro a olhou, ela sorriu pra ele. Depois olhou pro céu azul grená. Pensou na vida que tinha, na vida daquelas pessoas. Era outra vida, muito mais bonita, farta, brilhante que a dela. Pensou pela primeira vez em toda sua existência que a sua vida não era vida. Não, comparado com aquele mundo novo que ela descobrira sem querer naquela tarde. Pensou pela primeira vez numa palavra: desigualdade.Refletiu pela primeira vez em sua vida miserável. Sentiu raiva, sentiu pena, sentiu saudade do que nunca teve. Olhou pro céu mais uma vez e lembrou-se dos pais, de como gostaria de encontrá-los. Uma lágrima rolou de seus olhos negros, que agora tinham um certo brilho. O poodle latiu, desvencilhou-se de sua dona e correu em direção à ela. Alma Clara sorriu um sorriso cansado pro cão que parecia pelúcia, fez um carinho em sua cabeça e sentiu as pernas serem suavemente lambidas por ele. Alma Clara fechou os olhos. A garrafa d'água pendeu-se de sua mão esquerda. O cachorro deu três latidos fortes e estridentes, mas não adiantou. O coração frágil de Alma Clara, parou.

domingo, 12 de janeiro de 2014

NÃO TENHA PRESSA


Não me estranhe, nem se assuste.
Não tenha pressa.
Minha libido é mansa, calma.
Não vá com tanta sede ao pote.
Não sou da rua, da esquina, do quarto escuro.
Te quero por inteiro, sereno, devagar.
Me queira assim também.

Sou feito de ar, sussurros, movimentos delicados.
Não seja insano, abrupto. 
Ainda não.
Não tenha pressa.

Não seja minha refeição ligeira, daquelas que mal se sente o gosto, apenas pra encher a barriga.
Um buraco vazio que dói no estômago.
Não quero ser sua refeição ligeira.
Saboreie-me primeiro com os olhos, lentamente.
Mergulhe e tente decifrar alguma coisa em minha íris.
Passe as mãos ásperas em meus cabelos crespos.
Mesmo rústico você pode ser suave.
Deslize sob as minhas faces.
Concentre os olhos castanhos curiosos e tristes em meus lábios e invada minha boca calmamente, até encontrar o encaixe perfeito.
Não tenha pressa.

Aninhe-se no meu pescoço.
Aspire o meu perfume e chafurde na minha nuca. 
Na minha orelha. Até encontrar o cheiro da minha essência.
Cheiro de pele que exala dos meus poros. 
E suspire profundamente.
Nessa hora talvez surjam lágrimas.
Fique tranquilo, é só minha emoção represada saindo como as tulipas que desabrocham na primavera holandesa.

Entrelace suas mãos nas minhas com força e me leve de encontro ao seu corpo.
Faça meu peito ouvir as batidas do teu.
Passeie seus dedos pelas minhas costas.
Morda meus mamilos como se fossem cerejas frescas e brinque com sua língua lá, como quando você era criança e tentava pegar o gelo dentro do copo.
Faça tudo com cuidado.
Contemple.
Não tenha pressa.

Temos tempo.
Ninguém precisa gozar correndo e sair desesperado sem nem saber pra onde.
Pretende-se que isso seja raro, doce e especial.
Então, arranhe minhas nádegas morosamente.
Faça desenhos imaginários em minhas pernas longas e brancas.
Me aperte. Me abrace. Me arrepie.
Lamba meus suores agridoce.
Canse e descanse no meu peito arfante.
Faça de mim o seu mapa da mina.
Depois que tiver me desvendado por inteiro...
Eu fico de quatro.

Só não tenha pressa.