sábado, 13 de setembro de 2014

UMA HISTÓRIA DE OBSESSÃO - PARTE 2 (FINAL)


Antes de começar a leitura, leia a parte 1

Gael desejou ir ao enterro de Luan, queria dar seu último adeus, mesmo depois de tanto tempo sem ter contato. Foi difícil digerir e se acostumar com o ocorrido. Aceitar que alguém jovem e cheio de vida como Luan tinha partido pra sempre, não era simples. Não conseguiu comparecer ao enterro. Mas de repente, de forma triste e involuntária, Luan tinha voltado pra sua vida com força total. A ideia de sua inexistência, mexia com Gael de uma forma perturbadora. Quando deu por si, havia se tornado um grande stalkeador das páginas de Luan em suas redes sociais. O triângulo vivido entre ele, Luan e Santiago era algo que marcara sua vida de forma indelével. Luan não era um simples conhecido, ele fazia parte de sua história. E se Santiago, uma das partes do triângulo, tinha desaparecido de sua vida como fumaça no ar, ainda restavam os registros virtuais de Luan pra que ele pudesse recordar com uma saudade inconfessa, os resquícios de uma paixão avassaladora, uma fantasia, que só ele sabia o bem e o mal que lhe fazia. Um sentimento que mesmo sem querer ele cultivava em silêncio e segredo, pois tinha vergonha que alguém descobrisse que ainda não havia superado por completo aquela desilusão, mesmo após tanto tempo. Acalentava o drama do amor não correspondido e parecia sentir prazer em ser a eterna vítima rejeitada de um desejo não concretizado. Em seus delírios operísticos, ainda desejava uma retratação, um pedido de desculpas de ambas as partes, mas sabia que Santiago mal lembrava de sua existência pra sentir algum tipo de remorso por não amá-lo, e quanto a Luan, qualquer desejo em relação a ele agora, era inútil. 

Quando completou um mês da morte de Luan, Gael escreveu um texto em homenagem ao antigo amigo em sua página no facebook, e foi enquanto conferia outras mensagens, que uma certa declaração de amor póstuma lhe chamou a atenção. O texto apaixonado e emocionado de Taciano, dizia o quanto Luan tinha sido importante em sua vida, e como seria difícil continuar sem ele. Que Luan o tinha transformado pra melhor e foi o presente mais especial que ele já havia recebido. Terminou agradecendo pelo um ano de vida juntos e por tudo de maravilhoso que dividiram, e que ainda o amaria por muito tempo.

Surpreso e um pouco chocado, Gael sentia como se todos continuassem vivendo suas vidas cheia de acontecimentos maravilhosos e emocionantes com o passar do tempo, enquanto só ele se prendia aos sentimentos do passado, permanecendo solitário com seus devaneios românticos. Em sua lógica, Santiago havia desaparecido e provavelmente estava vivendo uma vida cheia de promiscuidades, e Luan tinha encontrado e estava vivendo um grande amor, um amor que ele sempre sonhou viver, um amor que ele merecia, e não Luan, que havia desrespeitado e passado por cima de seus sentimentos, quando se envolveu com Santiago. 

A inveja e o ciúmes tomou conta de Gael. Um gosto amargo, uma sensação de ter sido tripudiado, achincalhado e desconsiderado de todas as formas por duas pessoas pelas quais sempre tivera os melhores sentimentos. A raiva e a revolta, agora que descobrira o namorado de Luan, agora que sabia que ele continuou levando sua vida sem sofrer por Santiago, como ele sofreu, e que estava feliz, vinha mais forte do que na época dos acontecimentos.

Ficou obcecado pelo tal viúvo de Luan. Gael queria saber tudo sobre ele. Quem era, onde morava, qual sua profissão, como se conheceram, e foi à fundo em suas pesquisas. Passava horas nas redes sociais procurando informações sobre Taciano, visitava amigos em comum, até descobrir que Laura também era sua amiga. Sutilmente sondou sobre ele com Laura e obteve mais informações. Descobriu que o rapaz era artista plástico, morava no interior de São Paulo, num pequeno e bucólico lugar chamado Atibaia.

Gael tinha sonhos recorrentes com Luan e Santiago, em todos eles, ele era humilhado de alguma forma. Certa noite acordou angustiado, suando, com falta de ar, a cólera tomara conta da sua mente. Precisava fazer algo a respeito, algo que o fizesse se sentir melhor. Abriu o notebook e permaneceu parado em frente a uma imagem de Taciano, como se tivesse em transe. Ele nem era tão bonito, mas parecia muito interessante. Ficou imaginando como era a relação entre ele e Luan. Se eles eram românticos, se transavam muito, se tinha uma música só deles, se se chamavam por apelido, se se amavam de verdade. Às vezes ele achava Luan tão frio e prático, que parecia incapaz de se entregar a uma emoção genuína, sem reservas. Enquanto pensava em tudo aquilo teve um click. Já sabia quase tudo o que podia saber através de terceiros, era chegada a hora de conhecer Taciano por si mesmo. Na página do ex-namorado de Luan clicou em "adicionar aos amigos" e em seguida deixou um recado in box, explicando o quanto era amigo de Luan e como estava feliz em encontrar alguém que havia sido tão próximo dele, após o trágico ocorrido.

No dia seguinte Gael verificou que Taciano tinha aceitado seu pedido de amizade, então passou para o plano b. Gael e Taciano travaram uma empolgante amizade virtual, se falavam quase todos os dias. Taciano andava muito solitário e carente após a morte de Luan e todos que se aproximassem dele alegando que eram amigos de Luan, ele aceitava de braços abertos como sendo seu também. 

Gael inventou uma bela história de amizade entre ele e Luan, amizade que nunca existiu, mas ele sabia exatamente o que comoveria Taciano, e o faria entrar em sua vida, por isso teceu sua teia direitinho. Aos poucos Gael tornou-se confidente de Taciano, que estava com uma forte tendência à depressão. Dois meses após iniciarem a amizade virtual, Taciano convidou Gael para visitar sua cidade e conhecê-lo. Para Taciano seria um fim de semana encantador. Para Gael seria o reconhecimento indispensável de um terreno, onde ele daria seu tiro de misericórdia.

Mesmo cheio das mais amargas intenções, os dois dias passados ao lado de Taciano foram perfeitos para Gael. Ele pôde constatar o quão interessante era Taciano, mais do que isso, era uma pessoa especial. Ele lhe mostrou suas esculturas e desenhos, passeou com Gael pelos pontos turísticos da cidade cheia de belezas naturais, preparou comidinhas saborosas e falou muito, muito sobre Luan e o amor dos dois. Mostrou fotos, bilhetinhos, presentes trocados, e enquanto contava tudo sobre eles Gael sentiu a velha pontada de inveja em seu peito, mas dessa vez era uma inveja diferente, não aquela carregada de rancor, mas uma inveja de auto-piedade. Ele queria ter aquilo, viver um amor assim, mas nunca havia sido agraciado com tal privilégio. Achava-se uma pessoa de coração melhor e mais puro do que Luan, no entanto nunca tinha sido recompensado por isso com um amor. O que ele fazia de errado? Queria respostas, mas não as tinha. Já que não havia recompensa por ser bom, prosseguiria com seu plano sem remorsos.

Naquele fim de semana Gael ficou sabendo também como funcionava a dinâmica da relação. Taciano passava a semana com Luan em São Paulo e nas sextas à noite partiam pra tranquilidade do interior, onde faziam amor com calma e Taciano ficava mais inspirado para criar. De volta à capital, Gael ficou dividido entre seguir com seu plano ou deixar Taciano em paz. Mas ele sentia que Taciano havia gostado dele de verdade e pensou que talvez valesse à pena enterrar o passado de vez e começar algo novo, verdadeiro e sólido, bem distante das fantasias platônicas as quais estava acostumado. Ficou uns 3 dias sem falar com Taciano, não respondeu suas mensagens de texto, nem seus recados no face, até que quebrou o silêncio virtual e foi direto ao ponto. Confessou à Taciano que conhecê-lo tinha mexido muito com ele, e como ele sabia que o rapaz não estaria preparado para um novo envolvimento logo após a perda precoce de Luan, preferia manter certo afastamento, pois não estava disposto a sofrer por um novo sentimento não correspondido. Taciano protestou, confirmou que tinha sentido algo muito especial por ele também e que os dois deviam se ver de novo o mais breve possível para resolverem suas questões emocionais.

Quando se encontraram pela segunda vez, Gael e Taciano explodiram em desejo. O sexo foi sublime, forte e poderoso. Gael nunca tinha sentido nada igual, e Taciano deixou-se levar por suas emoções mais profundas, a falta de sexo desde a morte de Luan, aliada a saudade e o desejo por Gael, tão ingênuo, doce e diferente de Luan, que era forte, decidido, genioso, nunca parecendo precisar de proteção. Gael parecia frágil, parecia precisar de um homem forte que cuidasse dele. Os sentimentos se confundiam. Gael ser amigo de Luan podia complicar um pouco as coisas, mas o fato é que ele precisava superar a perda e Gael surgiu como um anjo, ele queria viver aquele sentimento. Pela manhã, Gael foi acordado com café na cama. Taciano era mesmo fascinante, mas Gael havia sonhado com Santiago no lugar dele por tantas vezes e parecia que nunca, nada seria o suficiente pra afastar aquelas lembranças e o sentimento de rejeição dele.

Taciano foi pro banho enquanto Gael tomava seu café, entre um gole e outro olhou pro teto com uma sensação de triunfo. Saiu da cama e abriu a porta da rua, olhou pro céu azul e límpido fixamente e disse com toda a calma como se conversasse cara a cara com ele: Luan meu querido, você viu? Você viu tudo o que aconteceu aqui essa noite? Como você se sentiu? Eu me senti maravilhosamente bem. Cumpri minha promessa, me vinguei de você. Roubei o teu homem, me espojei na mesma cama que ele fodeu com você. E foi bom viu, nossa, que homem gostoso! Eu podia fazer ele me amar, me venerar e ficar louco por mim, assim como ele ficou por você, não, mais, muito mais louco e apaixonado por mim do que foi por você. Mas eu não quero, sabe. Não quero teus restos, tuas migalhas. Eu só queria mesmo que você sentisse o mesmo que eu senti quando você me tomou o Santiago. E agora eu espero que você esteja aí em cima rolando de dor e ódio e tristeza, ou será que você tá no inferno? Será que eu tô olhando pra direção errado? Será que é aqui embaixo dos meus pés que você está, seu maldito?

A voz de Taciano chamando por Gael o fez sair do transe que se encontrava na conversa imaginária com Luan. Taciano questionou o que ele fazia na rua e Gael confessou que foi apreciar o céu de brigadeiro da cidade. Era sábado e Taciano estava empolgado com os novos rumos de seu relacionamento com Gael. Passaram um fim de semana romântico, Taciano estava novamente apaixonado, e Gael já não conseguia mais separar delírio de realidade. Sabia que sonhara com momentos como aquele durante muito tempo, mas era Santiago que deveria estar no lugar de Taciano, isso não saía de sua cabeça. Por vezes imaginou o rosto de Santiago, o corpo de Santiago, a boca de Santiago enquanto estava com Taciano. Mas fingiu muito bem uma sanidade que já não tinha mais nas últimas horas que passou ao lado de Taciano.

Na segunda-feira estava de volta à sua casa, deixou Taciano como namorado, mas assim que chegou excluiu-o e o bloqueou de todas as redes sociais. Sem conversas, sem explicações. Havia finalizado seu plano com louvor.

Taciano tentou buscar explicações, procurou por Gael, descobriu a verdade de suas intenções, sofreu por um tempo, mas se recuperou. 

Quanto a Gael, foi infeliz pra sempre.